sábado, 24 de julho de 2010

CAIXINHA DE LINHA

Tudo naquele tempo, naquela infância tinha gosto de frutas doces. As tardes, calorosas, sob um sol escaldante, excitavam o paladar ao sabor de um copo de ponche de limão. Nesta ocasião, frutas ácidas.
Lembro-me das aulas vespertinas e de lanches deliciosos preparados pela mamãe. Além da lancheira, (de lata com belos motivos infantis), carregávamos uma bolsa com cadernos pautados e milimetrados, específicos para as aulas de Matemática.
Os sete filhos dos meus pais lhes provocavam, naturalmente, uma certa despesa de material escolar e esta necessitava de uma redução, usando a criatividade. Morávamos no interior do Seridó e as dificuldades eram muitas, naquela época.
Meu pai era trabalhador autônomo e no período da estiagem, a principal preocupação era os alimentos que vinham em sacos de algodão de outros estados para serem distribuídos entre as famílias mais carentes. Não aparecia trabalho e nem renda. Foi um tempo de adversidades, de contratempos e de contrapontos, mas também de invencionice, maquinação e imaginação.
Os estojos não eram tão coloridos, adornados ou plastificados como os de hoje. Eram confeccionados por cada um de nós.
Meu pai trazia da bodega de Seu João caixas vazias de linhas de costurar e nós colávamos suas laterais e as cobríamos com tecido ou papel para embrulhar presentes. Além desse utilizávamos o famoso papel de embrulho para servir como forro, pois pregávamos sobre ele fotos de artistas de novelas, de revistas em quadrinhos ou de propagandas. A televisão ainda não fazia parte “como membro da família” em todas as casas, porque era um eletrodoméstico destinado às classes mais favorecidas. Hoje esse meio de comunicação é quase uma pessoa, pois a partir do momento em que o aparelho começa a funcionar, a atenção é voltada, exclusivamente para ele. É o momento de êxtase total, de egocentrismo (da televisão,é claro!).
Cada estojo daquele produzido com carinho e amor era sempre o melhor! Acontecia uma espécie de Superação e, ao mesmo tempo, de Conquista. Nós sentíamos uma necessidade de competir sem a selvageria dos tempos modernos, cuja busca por um lugar no pódio nos remete a um canibalismo inconsciente.
Tão bons ficavam eles que todos da escola queriam imitá-los nos mínimos detalhes. Que saudade eu sinto daquelas caixinhas emparelhadas, coladas nas extremidades com goma arábica e que guardavam lápis, borracha, régua, caneta, sentimentos, subjetividades... Guardavam momentos especiais e amigos do mesmo quilate, bem como os pingos das gotas fugidias, de dias de chuva que, esporadicamente, chegavam e molhavam o seu interior e era aí, nesse meio tom, na mesma caixinha de linha que morava, secretamente, a nossa alma úmida de infância.

Maria Maria

Um comentário:

  1. Marré,
    E a televisão querendo ser gente, heim?!
    Que coisa lorde!
    Parabéns pela escrita esborrotando de alegorias poéticas.
    Um beijão do velho amigo,
    Adelson

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Água de chocalho para todos!