domingo, 22 de janeiro de 2012

Mensagens do tempo que chove

O tempo é mensageiro. Traz notícias amareladas, adormecidas, cansadas de permanecerem silentes na memória desgastada da humanidade. Recordo-me das noites de chuva no Seridó, lugar de calor e sol, mas também de brisas noturnas extasiadas de prazer. Recordo-me das noites em trovoadas, desabastecidas de quietude, todavia abundando aconchego familiar. Essas lembranças chegaram-me envoltas em um lençol de retalhos disfarçado em pergaminho classicista e se desenrolaram sobre meu corpo de mulher seridoense. Lembro-me, especialmente, das noites de prazer duo: a chuva e a falta de energia elétrica que se dava ao primeiro lumiar de relâmpago no topo da Serra da Acauã. Estranho pensar nessa ultima referência como algo prazeroso, porém totalmente explicável. Quando não há luz artificial, a luz interior ilumina o ambiente. É nesse momento que as famílias do Seridó se reúnem para o brinde à chuva e sorriem, agradecendo o milagre da vida que chega. Após a ceia, olhávamos atentamente para o telhado assimétrico de juremas e telhas cozinhadas pelas mãos dos homens da terra, enquanto a chuva entoava sonatas noite adentro. A imagem chega tão nítida, real e consistente que chego a pensar na hipótese de estar numa “máquina do tempo” construída pela imaginação poética de Dom Quixote. Bastam as minhas conjecturas e analogias meio ilógicas, no entanto, plausível ao olhar de quem se embevece com a chuva que cai nessas terras de ventanias e resedás. Vejo, na cozinha da casa onde fui menina, uma tigela de sopa fresca, pão com manteiga e café sobre a mesa, forrada com uma plástica toalha com motivos frutais. Em volta da mesa, sentados em um banco longo e cru, meus pais e irmãos, feito índios cariris realizando a dança da chuva, comemoravam o que havia de vir. As minhas memórias me levaram há um tempo em que estar junto significava satisfação e solidariedade. Um tempo em que se pedia a bênção aos pais sem se sentir constrangido. Um tempo em que respeitar os mais velhos não era uma obrigação determinada pela lei de direitos humanos, mas um respeito natural pelo outro, um valor transmitido pelos pais. Nessa tarde janeiriana, onde pardais compõem seus mais dissonantes acordes, flores renascem aos primeiros pingos de chuva e nuvens engravidadas se amontoam para a luz em forma de água, recebo essa imagem autêntica via tempo mensageiro que a mim chega em forma de cheiro, frio e saudade.
Crédito da foto e texto: Maria Maria