quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Borboletas, chananas, algarobas e formigas

Em tempos não tão distantes, eu observava as borboletas. O vôo que elas faziam em volta das chananas era sincronicamente perfeito assim como era perfeito o seu ciclo vital curto. Chananas e borboletas são objetos de minha mais lúdica observação. Da mesma forma que esses seres, eu observava as algarobas e formigas. Ambas viviam em um mesmo espaço e desfrutavam dos mesmos direitos, tais como a terra, as pedras, o sol e a chuva. Não havia territórios demarcados, portanto nascer e viver eram fenômenos que somente a natureza criativa concebia. Lembro-me de meu nariz: era meio redondo, porém arrebitado e tinha umas manchinhas marrões e mínimas que eu teimava em escondê-las usando o pó de arroz de minha mãe. Meus complexos de inferioridade eram, geralmente, escamoteados pela leitura. Essa era a minha singularidade seridoense; ler tudo que via. A biblioteca municipal era o ponto de apoio e meu espaço secreto onde eu guardava, certa do segredo, todas as minhas dores e expectativas. Voltando às borboletas, chananas, algarobas e formigas devo dizer que são, de certa forma, semelhantes aos humanos, porque não possuem o desenho universal e, por conseguinte, a simetria perfeita do Homem Vitruviano. O que difere é a exigência da sociedade em padronizar as estruturas psíquicas das pessoas em detrimento a uma paz social, embora esse seja um paradigma em processo de ruptura. Estou quase certa disso. O que temos a ver com esses quatro personagens? Tudo. As borboletas possuem cores, tamanhos e formas diferentes, as chananas seguem as mesmas constituições físicas dessa espécie, embora, nem sempre tenham as mesmas cores. As algarobas são especialmente singulares: têm altura diferenciada, corpo ora esquelético ora carnudo, pele áspera e contorcida, formando veios de um rio. As formigas, estas se aproximam um pouco da perfeição no sentido em que desenvolvem uma forma própria de convivência, considerando a harmonia e a partilha como fontes fundamentais para a vida em sociedade. Naquela época de árvores e bichos eu não tinha o olhar de hoje. A subjetividade vista suplantava o que, durante minha pré-adolescência, foi considerado estranho, doentio e contagioso. Essa era a imagem construída pela sociedade para as pessoas com deficiências. Os “loucos” nos amedrontavam e eu tinha um medo terrível deles. As histórias contadas e repassadas de geração a geração tomavam forma física e eu acreditava como até hoje acreditam todas as crianças. Estou adulta e da mesma maneira que nosso corpo sofre transformações metabólicas e emocionais passei a enxergar o diferente como igual. Entendi que as classificações de Darwin organizavam os seres em categorias para estudos científicos posteriores. Não pretendo, naturalmente, sugerir categorizações, apenas apontar caminhos que nos levem a uma reflexão menos técnica e mais sensível cujas respostas possam nos fazer enxergar borboletas, chananas, algarobas e formigas em cada um de nós, com nossas diferenças e semelhanças, e desfrutando dos mesmos direitos, tais como a terra, as pedras, o sol e a chuva.