sábado, 28 de dezembro de 2013

A validade dos sentimentos

Ler é cultivar ideias! Foi o que pensei ao finalizar a leitura de um livro “quase” de auto-ajuda. Não é bem o meu estilo de leitura e nem se trata de um manual que orienta o seu modo de viver. Enfim, esse pequeno, de folhas amareladas, me fez repensar algumas situações da vida, abrir minhas compotas e deixar a força da correnteza carregar velhos lixos sociais incongruentes com o meu pensar e agir de hoje.
Reparei, à medida que o lia, o quanto os sentimentos são relevantes, não tanto pela força da correnteza anterior saída da minha represa, mas pela validade que eles possuem em nossas vidas.
Amor tem data de fabricação e lote, tem recomendações de como vivê-lo, dá um efeito imediato de euforia quando adoçado com paixão, levanta a nossa auto-estima e nos ajuda a esculpir outra figura dentro de nós, escova o ego e revitaliza o coração-que já se esquecera da dor passada-, faz um rebuliço danado em nós e nos outros. Todavia, convenhamos, “... por ser amor invade e fim?”
O amor tem data de validade, mas essa informação tão necessária, não vem nos rótulos que são oferecidos pelo mundo. A embalagem, às vezes, tem algo escamoteado, ambíguo e incoerente. Não há, na parte exterior, nenhum texto injuntivo, norteando a dosagem. Nós o usamos, em demasia, por conta própria, sem medida.
Quando percebemos, já estamos dependentes e, absolutamente, desapropriados de nós mesmos. É assim o amor: subversivo, deselegante, invasivo, autoritário e com certa dose de rebeldia.
Vi situações distintas sobre relações humanas, nesse livro devorado em poucos dias, e cheguei à conclusão de que os outros amores, a exemplo do amor bíblico bem apresentado em Corintos, versículo 13, tão generoso, manso e humilde, é o lado herói desse sentimento. Acontece que não vivemos em uma sociedade sem riscos e perdas, conhecemos o amor como algo que nos descompromete de nós mesmos, desempactando os poderes guardados nos confins de nossos eus. Só o amor desinteressado possui as qualidades citadas no maior livro cristão.
Hoje, o amor perdeu-se em si mesmo. É o anti-herói do mundo moderno e já está, para mim, com data de validade vencida. Outro tipo de sentimento pode até substituí-lo; só a título de sugestão, quem sabe a parceria entre respeito e solidariedade possa tornar-se o mel, que, segundo a ciência, é o único alimento que não vence jamais.
Depois de tudo dito, já fiz a minha escolha pelos próximos zilhões de anos: vou optar pelo mel, o que vier de sobra vai para o espaço se transformar em aurora boreal.


Maria Maria

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Asa


Não sei se quero falar da perda da minha asa, da plumagem que dourava no sol e do brilho que resplandecia toda manhã.
Eu vi o sertão acordar em mim, logo que o amarelo-canário apontava no horizonte e vi minhas nuances alçarem vôo num desespero sem fim. Senti meus músculos tremerem no canto oblíquo da boca e uma pequena cachoeira se formando na esquina dos meus olhos.
Tudo vi, mas recuei o choro e bloqueei a palavra.
A dor vinha rasgando a estrada como faz uma acauã quando voa rasante pelos caminhos de pedra e volta furando, bicando, abrindo fendas...
Às vezes, há solidões merecidas! E há aquelas que se instalam estrangeiras e fixam moradia por tempo indeterminado. Pior ainda, são as que carregam sob o braço um pergaminho, contendo os itens a serem observados naquela nova estadia atemporal.
Mas o tempo não é conivente com a solidão. Ele é nômade e livre. Por isso, e em respeito ao meu coração que pulsa cantando, acabei de tomar uma decisão:
Já está na hora de querer a minha asa de volta!

 Maria Maria Gomes

terça-feira, 18 de setembro de 2012

UM ENCONTRO NA REDE



No meio da tarde, quando o efeito tyndall adentrava a lateral da minha sala de estar, pus em prática o meu costumeiro jeito índio de sentar-me diante do computador.
            Acionei os botões que o colocava em funcionamento, enquadrei a cadeira no assoalho, entre um mosaico e outro, e dispus as nádegas numa cômoda posição, de forma, eu diria, erótica.
            Esperei, tranqüilamente, as janelas cibernéticas se descortinarem a minha frente, enquanto um simpático programa de comunicação instantânea saudava-me com um “oi!”. Respondi , de imediato, aquele apelo de praxe e retruquei um outro “oi?” desconcertado e interrogativo, por não reconhecer o endereço eletrônico de quem “navegava” do outro lado.
            Encetamos o diálogo simbólico com assuntos incomuns (para mim), pois o digitador com quem falava tecia comentários sobre armas nucleares. E esta não era uma boa deixa para principiar um diálogo informal, em se tratando de rede de comunicação virtual cujo propósito é estimular a busca por novos amigos.
            O assunto fluiu diferente, logo que comentei, sem nenhuma intenção, que o calor do Nordeste chegava a quase 40 graus. O homem, sem identidade definida, perguntou-me o que eu fazia para resistir à alta temperatura da região. E, sem pestanejar, pois considero a nudez natural, respondi: “se o tempo se faz quente, tiro a roupa, viro índia”. Ele riu da situação com os símbolos: “rsrsrsrsrsrsrs” e arriscou um bom comentário: “você deve se sentir livre sem roupa, não é?”
            Não me importando e até considerando interessante a temática, incitei a conversa, dizendo que as peças que me cobriam, naquele momento, se espalhavam pelo tapete, poltrona ou chão. Ele, surpreso, com a resposta, escreveu um “nossa!!!!” carregado de exclamações como a me dizer que tomara um choque, no bom sentido, é claro!
            No meio da comunicação, ele foi me provocando com expressões pouco sutis e eu, que não vejo maldade em certas coisas, e adorando a libidinagem verbal, retribuí com frases picantes.
            De repente, minhas partes íntimas começavam a molhar-se a cada palavra obscena digitada naquela máquina pálida que, diante de mim, figurava a idéia de realidade. Perguntei-lhe o nome; Eros, respondeu. E o seu? Helena. Não a de Tróia, naturalmente. O diálogo febril esfriou um pouco nesse momento de apresentação informal, contudo não apagou o fogo que crepitava nas vias cibernéticas, pois o outro me dizia que seu pênis queria saltar da calça e que precisava disfarçar.
            A conversa digitalizada ganhava de presente inúmeras reticências. Parei por alguns instantes para prender os cabelos, pois os fios, já úmidos do calor destas estâncias seridoenses, se misturavam no meu pescoço, causando um certo incômodo. Então eu os amarrei num gesto quase sensual e ao mesmo tempo mecânico.
            O cavalheiro, de pseudônimo Eros, confessou-me estar num local inapropriado para aquela atividade de cunho ou “punho” sexual, pois havia outros navegadores por ali e, portanto, seria uma indelicadeza de sua parte sair do ambiente, com o pênis ereto, mas que se deslocaria ao banheiro e logo retornaria à conversa.
            Enquanto ele se organizava, eu tecia a seguinte cena:
            “Ele entrou no banheiro, abriu o zíper e me imaginou índia. Talvez uma daquelas de cabelos negros-azulados e de peitos redondos, sem pêlos e olhos expressivamente ambíguos”.
Pensei ainda que a imagem construída de mim ganhara um arquivo na pasta ‘meus documentos’cujo título seria: ‘top secret’. Ou, na pior das hipóteses, vamos para o ‘lixo eletrônico’.
            Ele voltou. Desta vez tácito como se sentisse um certo alívio. Dirigiu-se a mim, dizendo; “olá, querida”, justamente na hora em que uma pane nas conexões apagou a minha resposta. E eu, meu caro leitor, fiquei entre o silêncio e a vontade de falar. A ligação não foi restabelecida, o sinal resolveu ocultar-se nas esferas celestiais e, enquanto o sistema voltava, meu marido chegou. Sem que ele percebesse, fui ao banheiro e me vesti. Tudo acabou em segundos, da mesma forma como começou, porém, ainda há um dado importante: meu marido resolveu tomar banho e eu o ajudei a esponjar as costas. Nessa brincadeira “infantil” dançamos em volta da fogueira, naquele espaço estreito tornando-nos índios verdadeiros.

Maria Maria Gomes

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Convite

Olá, amigos! Eis mais um livro de poemas: O Beijo de Eros. Sintam-se todos convidados!

domingo, 22 de janeiro de 2012

Mensagens do tempo que chove

O tempo é mensageiro. Traz notícias amareladas, adormecidas, cansadas de permanecerem silentes na memória desgastada da humanidade. Recordo-me das noites de chuva no Seridó, lugar de calor e sol, mas também de brisas noturnas extasiadas de prazer. Recordo-me das noites em trovoadas, desabastecidas de quietude, todavia abundando aconchego familiar. Essas lembranças chegaram-me envoltas em um lençol de retalhos disfarçado em pergaminho classicista e se desenrolaram sobre meu corpo de mulher seridoense. Lembro-me, especialmente, das noites de prazer duo: a chuva e a falta de energia elétrica que se dava ao primeiro lumiar de relâmpago no topo da Serra da Acauã. Estranho pensar nessa ultima referência como algo prazeroso, porém totalmente explicável. Quando não há luz artificial, a luz interior ilumina o ambiente. É nesse momento que as famílias do Seridó se reúnem para o brinde à chuva e sorriem, agradecendo o milagre da vida que chega. Após a ceia, olhávamos atentamente para o telhado assimétrico de juremas e telhas cozinhadas pelas mãos dos homens da terra, enquanto a chuva entoava sonatas noite adentro. A imagem chega tão nítida, real e consistente que chego a pensar na hipótese de estar numa “máquina do tempo” construída pela imaginação poética de Dom Quixote. Bastam as minhas conjecturas e analogias meio ilógicas, no entanto, plausível ao olhar de quem se embevece com a chuva que cai nessas terras de ventanias e resedás. Vejo, na cozinha da casa onde fui menina, uma tigela de sopa fresca, pão com manteiga e café sobre a mesa, forrada com uma plástica toalha com motivos frutais. Em volta da mesa, sentados em um banco longo e cru, meus pais e irmãos, feito índios cariris realizando a dança da chuva, comemoravam o que havia de vir. As minhas memórias me levaram há um tempo em que estar junto significava satisfação e solidariedade. Um tempo em que se pedia a bênção aos pais sem se sentir constrangido. Um tempo em que respeitar os mais velhos não era uma obrigação determinada pela lei de direitos humanos, mas um respeito natural pelo outro, um valor transmitido pelos pais. Nessa tarde janeiriana, onde pardais compõem seus mais dissonantes acordes, flores renascem aos primeiros pingos de chuva e nuvens engravidadas se amontoam para a luz em forma de água, recebo essa imagem autêntica via tempo mensageiro que a mim chega em forma de cheiro, frio e saudade.
Crédito da foto e texto: Maria Maria

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Borboletas, chananas, algarobas e formigas

Em tempos não tão distantes, eu observava as borboletas. O vôo que elas faziam em volta das chananas era sincronicamente perfeito assim como era perfeito o seu ciclo vital curto. Chananas e borboletas são objetos de minha mais lúdica observação. Da mesma forma que esses seres, eu observava as algarobas e formigas. Ambas viviam em um mesmo espaço e desfrutavam dos mesmos direitos, tais como a terra, as pedras, o sol e a chuva. Não havia territórios demarcados, portanto nascer e viver eram fenômenos que somente a natureza criativa concebia. Lembro-me de meu nariz: era meio redondo, porém arrebitado e tinha umas manchinhas marrões e mínimas que eu teimava em escondê-las usando o pó de arroz de minha mãe. Meus complexos de inferioridade eram, geralmente, escamoteados pela leitura. Essa era a minha singularidade seridoense; ler tudo que via. A biblioteca municipal era o ponto de apoio e meu espaço secreto onde eu guardava, certa do segredo, todas as minhas dores e expectativas. Voltando às borboletas, chananas, algarobas e formigas devo dizer que são, de certa forma, semelhantes aos humanos, porque não possuem o desenho universal e, por conseguinte, a simetria perfeita do Homem Vitruviano. O que difere é a exigência da sociedade em padronizar as estruturas psíquicas das pessoas em detrimento a uma paz social, embora esse seja um paradigma em processo de ruptura. Estou quase certa disso. O que temos a ver com esses quatro personagens? Tudo. As borboletas possuem cores, tamanhos e formas diferentes, as chananas seguem as mesmas constituições físicas dessa espécie, embora, nem sempre tenham as mesmas cores. As algarobas são especialmente singulares: têm altura diferenciada, corpo ora esquelético ora carnudo, pele áspera e contorcida, formando veios de um rio. As formigas, estas se aproximam um pouco da perfeição no sentido em que desenvolvem uma forma própria de convivência, considerando a harmonia e a partilha como fontes fundamentais para a vida em sociedade. Naquela época de árvores e bichos eu não tinha o olhar de hoje. A subjetividade vista suplantava o que, durante minha pré-adolescência, foi considerado estranho, doentio e contagioso. Essa era a imagem construída pela sociedade para as pessoas com deficiências. Os “loucos” nos amedrontavam e eu tinha um medo terrível deles. As histórias contadas e repassadas de geração a geração tomavam forma física e eu acreditava como até hoje acreditam todas as crianças. Estou adulta e da mesma maneira que nosso corpo sofre transformações metabólicas e emocionais passei a enxergar o diferente como igual. Entendi que as classificações de Darwin organizavam os seres em categorias para estudos científicos posteriores. Não pretendo, naturalmente, sugerir categorizações, apenas apontar caminhos que nos levem a uma reflexão menos técnica e mais sensível cujas respostas possam nos fazer enxergar borboletas, chananas, algarobas e formigas em cada um de nós, com nossas diferenças e semelhanças, e desfrutando dos mesmos direitos, tais como a terra, as pedras, o sol e a chuva.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011


DOIS PESOS, UMA SÓ MEDIDA

Na minha infância, desfilar em 7 de setembro tinha certos sabores: representar a pátria por civismo, para ganhar nota ou mesmo para ficar com presença na escola como se o feriado fosse letivo. Aliás, se assim o é, não vejo porque pagar o que não se deve. Mas era dessa maneira que as coisas aconteciam e ainda acontecem. O fardamento impecável, pés e unhas limpos, cabelo bem arrumado e discreto e algum acento de gratidão. Subjetividade.
Por que gratidão se é dever do estado oferecer Educação de boa qualidade, além de outros benefícios protegidos pela lei? No entanto, era aquele o substantivo abstrato de nosso tempo de desfile cívico. Às vezes à força de imposições por parte do governo vigente ou pela ideologia dos que pensam ao contrário. Uma mão dupla.
Hoje, desfilar não tem mais aquela carga de amor à pátria, porque “não se ama o que não se conhece”. Desconhecemos esta nação por dela pouco fazermos parte, o nosso valor se dá “escamoteado”. Um valor revestido de pseudo-discursos, de promessas discutíveis que alienam e entorpecem a dignidade do povo.
O que devemos comemorar?
Como enaltecer um país que tem uma saúde pública precária com hospitais lotados, uma educação fadada ao desprezo pela classe política com professores mal remunerados e sem plano de saúde? Como amar uma nação que sequer conhece seus filhos? Ou de que forma sentir-se orgulhoso vivendo em um país que desrespeita as leis? E que leis são essas que só pendem para o lado dos mais “fortes” e que os mais fracos são, muitas vezes injustiçados por uma política que não cumpre os deveres? Como exigir dos cidadãos uma postura dentro dos parâmetros da lei, quando a sociedade que aí está só exclui, renega e assola os mais pobres?
Sinto dizer que a minha bandeira não será erguida, porque não tenho “berço esplêndido”. Se muito, uma rede para dormir.

Por Eme Gomes

Foto: Google